Por Vivi Whiteman

Disco do Racionais quando tá pra sair é tipo armação de tempestade depois de uma temporada de seca. O céu fica tenso, aquela expectativa.
Nos últimos 12 anos rolaram algumas pancadas, pesadas, mas dispersas, que só fizeram aumentar a pressão. Finalmente ele chegou, Cores e Valores, fechando o tempo, mas também estourando as nuvens e espalhando a água boa que tanta gente esperava.

E veio tudo num pique de dilúvio mesmo, KL Jay abre os trabalhos feito uma rajada de raio iluminando a cena: um misto de relatos em flashback, acerto de contas, sumários, retratos, balanços, olhos bem abertos e grandes esperanças. É vento frio, é trovão, é nevoeiro sinistro, é a banca de Mano Brown, Edi Rock e Ice Blue organizando o tsunami que, eventualmente, também pode terminar em brisa e dia de sol.

O disco pegou vários de surpresa, não foi feito nos moldes dos anteriores. A chuva constante que dava o ritmo de longas conversas e histórias contadas com riqueza de detalhes deu lugar a uma tempestade rápida, um épico concentrado e desconcertante, do tipo que revira tudo em questão de minutos.

Cores e Valores fala de uma história de 25 anos de superação, trajetórias extraordinárias e grandes momentos da música, mas não está preso no passado. Entende os novos formatos, o dialeto rápido, a linguagem da mixtape, da vinheta, do flow acelerado, do papo reto e direto ao ponto. O jogo é hoje, agora e sempre, e os Racionais sabem disso.

Os temas clássicos reaparecem todos_ racismo, o desempenho no game capitalista, pobreza, desejos de ascensão, crime, justiça (ou a falta dela). Também tem espaço pro bonde ostentação, com o novo cordão de elite e o champagne para o ar de sempre, mais que merecido.

É a realidade, são as ambições e as possibilidades, é a mansão ou o castelo de areia, é o presente observado na perspectiva do aprendizado. São as lembranças fazendo eco nas novas canções, com vozes de grandes versos, ensinamentos de raps antigos e fantasmas de momentos tensos.

É a ação desastrosa da PM no famoso e emblemático show da praça da Sé, são os novos e velhos dilemas, são os moleques SP 80 passeando pelas favelas entre o perfume do Patchouli, o beijo na boca e o mundo cão. É a cidade cinza, a trajetória negra, as notas e o céu azuis, cada um com sua verdade, cada um com seu valor.

O disco termina em sintonia de amor, o cântico dos cânticos, terra prometida depois do continente devastado. E o temporal final traz o beat dos sinos e a profecia de Cassiano, companheiro de sempre dos reis das marginais: “algo me diz que amanhã, a coisa irá mudar”. E a cena segue no mistério do próximo capítulo, à espera de outras ondas de rimas, mais histórias, novas odisséias. Quem tiver ouvidos, ouça.